TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.165 - Disponibilização: sexta-feira, 26 de agosto de 2022
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de casa, comida, acabava uma coisa e ficava reclamando dentro de casa; que nunca procurou discutir, ia conversar e as duas
se exaltavam. A testemunha Luciane Barbosa da Silva declarou que é vizinha da vítima e da acusada; que elas já estão de bem;
que as brigas vinham acontecendo por causa das crianças, os filhos delas; que na primeira briga a vítima estava grávida de 9
meses e chamou seu irmão para afastar, depois teve outra briga, ela não estava nem com um mês de parida; que teve oura
briga que ela estava com a criança no braço; que na parte que viu quem começou foi Renilda, ela agrediu Camila, agarrou o
cabelo e Camila estava com a bebê no colo; que Camila não teve como se soltar, Renilda imprensou Camila no fogão, então ela
pegou a panela com chá e jogou por debaixo das costas e as duas se agarraram; que levou Camila para sua casa e Renilda foi
para a casa de umas amigas para poder se acalmar; que Renilda saiu tão rápido que ninguém viu como ela ficou; que Camila
estava chorando muito, desesperada; que presenciou quando Camila jogou o chá fervente em Renilda; que não viu como Renilda ficou mas soube que ela foi para o hospital; que Renilda voltou a morar lá no bairro quando já estava sarada; que acha que
Renilda ficou com marcas mas não muito; que ela estava usando um óleo para tirar as manchas; que não sabe exatamente a
motivação da briga, quando chegou já estavam brigando; que as brigas são porque Renilda fica xingando os filhos de Camila e
seus filhos, por isso começam a discutir; que quando as crianças brigam, Renilda acha que a declarante e Camila tem que bater
nos filhos mesmo o filho de Renilda estando errado; que não liga, não se importa com os nomes que Renilda xinga; que chamou
até seu filho de ladrão por causa de um brinquedo; que saiu do local porque não aguentou, se mudou, não sabe se Renilda continua da mesma forma; que Camila ficou vermelha, não teve lesões, não precisou ir ao médico; que Renilda é brigona demais,
briga por qualquer besteira; que Camila não se importa, não gosta de confusão por causa de criança; que não se envolve nas
brigas das crianças porque estão brigando e logo depois estão brincando; que soube que Camila e Renilda estão de bem, mas
as brigas de criança continuam do mesmo jeito. A testemunha Rosenilda Oliveira disse que estava em casa quando Renilda ligou
dizendo que estava na policlínica porque Camila havia a queimado; que o marido de Renilda chegou também chorando, perguntando se Renilda estava bem, que informou que Renilda estava na policlínica; que Renilda falou para a declarante pegar Miguel
na casa da avó, mas a avó não deixou; que sabe que Renilda havia colocado um chá no fogo para Miguel e Camila sempre pirraçava e dizia que ela morava de favor então tinha que aguentar calada; que quando Renilda tivesse a casa dela podia fazer até
um brega; que o rosto e peito de Renilda ficaram queimados e ela chegou a ir para o Clériston e depois para o hospital de Salvador, que não sabe quanto tempo ela ficou internada mas foi muito tempo; que Renilda ainda tem marcas no corpo. A acusada
confessou o crime. Em sua defesa, alegou que o teria praticado em legítima defesa, uma vez que Renilda teria puxado o seu
cabelo num primeiro momento. Como se vê, ofendida e testemunhas confirmaram que a acusada foi a autora das agressões físicas que causaram as lesões corporais descritas no laudo pericial de fl. 13. A defesa, por sua vez, não trouxe aos autos elementos que evidenciassem interesse da vítima e das testemunhas em imputar falsamente à acusada a prática de conduta definida
como crime. Quanto à gravidade das lesões, o Laudo de Lesões Corporais nº 2018 01 PV 007924-01 (fl. 13) constatou que a
vítima Renilda Rodrigues Santos, em decorrência das queimaduras, teve extensa cicatriz hipocrômica e normotrólica localizada
em terço superior do tórax estendendo para mama esquerda, mama direita, ombro esquerdo até região supraescapular; região
frontal esquerda percorrendo região malar, bucinadora e mandíbula esquerda; pavilhão auricular esquerdo: couro cabeludo da
região temporal esquerda, concluindo que as lesões perpetradas pela ré resultaram em deformidade permanente no corpo da
vítima. A deformidade permanente pôde ser confirmada na audiência de instrução, momento em que a vítima afirmou que mesmo
após quase quatro anos depois das lesões, a região do seu seio permanece escura em decorrência das queimaduras, inclusive
apresentou parte da deformidade permanente para o vídeo (minuto 04:10). A deformidade para caracterizar essa qualificadora
precisa representar prejuízo estético de certa monta, capaz de produzir desgosto, desconforto a quem a vê, vexame ou humilhação ao portador. Não é, por consequência, qualquer dano estético ou físico capaz de configurar a qualificadora. Reportando-se
à doutrina a fim de conceituar “deformidade permanente”, encontra-se na obra de Júlio Fabbrini Mirabete a seguinte explanação:
“A deformidade é o prejuízo estético, adquirido, visível, indelével no corpo do ofendido. Deve haver uma modificação que cause
dano estético de certa monta e capaz de causar impressão de desagrado, vexatório para a vítima. Não há necessidade, assim,
de que ocorra um aleijão ou ferimento horripilante. Pouco importa, porém, a sede da lesão, desde que seja ela visível em qualquer situação normal da vida humana segundo os costumes vigentes. [...]” (inCódigo PenalInterpretado - 5 ª ed. São Paulo: Atlas,
2005, pág. 1008). Por fim, anoto que para a configuração da legítima defesa são necessários os requisitos previstos no art. 25
do CP, in verbis: “Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta
agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.” Dessa forma, para se acolher a tese da legítima defesa, deve o autor
repelir situação de injusta agressão atual ou iminente de forma moderada, usando dos meios necessários, o que não se configurou no presente caso. Ainda que a discussão e a briga tenham sido iniciadas pela ofendida, a conduta da acusada extrapolou os
meios necessários, mormente levando-se em consideração que a outra parte era uma mulher recém parida, em evidente situação de desvantagem, tendo a ré derramado nela uma panela com chá fervente. Impossível se torna, pois, reconhecer a excludente de ilicitude da legítima defesa. Registre-se, ainda, que as palavras da vítima, em casos de violência doméstica, têm relevante importância, mormente como no presente caso, em que veio acompanhada de outros elementos probatórios. Lado outro,
vê-se que o dolo está presente na conduta da acusada, não se exigindo para os crimes de lesões corporais o dolo especifico. O
conjunto probatório é, pois, suficiente para a demonstração da autoria e materialidade do delito de lesão corporal, qualificada, na
espécie, em razão da relação de convivência mantida entre agressora e vítima à época dos fatos. Isso posto, julgo procedente a
pretensão para condenar CAMILA DE SANTANA DA SILVA, em razão da prática do crime previsto no art. 129, § 2º, IV e §§9º e
10, do Código Penal. Passo à dosimetria das penas. Na primeira fase, considero as circunstâncias judiciais favoráveis à ré. Por
conseguinte fixo a pena no mínimo legal, ou seja, 02 (dois) anos de reclusão. Na segunda fase, compenso a atenuante da confissão (art. 65, III, “d”, CP) com a agravante do meio cruel (art. 61, I, CP). Presente uma causa de amento de pena (Se a lesão
for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou,
ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade), aumento a pena em 1/3, totalizando 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão. Não se inferem causas de diminuição de pena, Assim, concretizo a pena em
02 (dois) e 08 (oito) anos de reclusão. Fixo o regime aberto para o cumprimento da pena. Incabível a substituição por pena restritiva de direitos, nos termos do art. 44, I (crime cometido com violência à pessoa), do Código Penal. A acusada não chegou a
ser presa em decorrência desse processo. Deixo de fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pelas infrações,